quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Pesadelo de uma Mosca

Sua origem, muito mais que humílima, tem que, a bem da verdade e com toda a força da expressão, ser considerada desprezível.
Nascida nas mais infectas condições, cercada desde o nascimento por toda variedade de vírus, bactérias, fungos e outros micróbios que habitam as podridões.
Alimentando-se de dejetos; contorcendo-se entre fétidas excreções que putrefazem à sua volta; respirando os gases venenosos que evolam-se dos produtos metabolizados por toda a fauna e flora que com ela habitam a nauseante lama.
Munida de vasto arsenal de enzimas, imune aos microorganismos que a cercam, obstinadamente disposta a sobreviver, almejando, mais que tudo, um dia erguer-se e escapar do pútrido meio em que jaz imersa.
Eis aí o que faz com que resista, cresça, acumule energias, amadureça para depois; de metamorfose em metamorfose, fazer-se díptero e ganhar o espaço, voejar leve, ágil, rápida e livre, respirar o ar puro das alturas, os aromas das cozinhas de todas as categorias, os odores do todas as flores.
Já foi larva e era chamada coró, já foi casulo e era chamada pupa. Hoje é apenas mosca caseira ou mosquito, companheira inseparável do homem. Tão inseparável quanto a barata ou o cão.
Pousada no teto branco, entre numerosos pontinhos escuros deixados por companheiros seus, ou por ela mesma em noites anteriores, olhou o mundo lá fora e sentiu enorme desejo de voar naquele largo espaço que vislumbrava dali.
E, partiu!...
Primeiro, numa ágil manobra, corrigiu a posição; a seguir fez um giro pela sala, talvez para aquecimento; depois provou rapidamente uma migalha de fino bolo deixada sobre a mesa, em contínuo sobrevoou a mesa e tomou a direção da janela que lhe parecia o caminho do mundo. Mas, estranhamente, viu-se impedida por invisível e inexpugnável barreira.
A liberdade lá fora convidativa, obcecante, irresistível; a obstinada persistência geneticamente conferida a ela; tudo favorecendo a que passasse ou morresse tentando; tudo tornando impossível uma desistência.
Se o perigo maior fosse esse persistir teimoso e irracional, talvez o tempo a socorresse.
Mas não havia tempo quase nenhum!
Eis que postada num cantinho do parapeito, na junção do vidro com o suporte de ferro do vitral, uma aranha pega-mosca aguardava ansiosa, há horas, o seu alimento preferido...
Por incontáveis vezes atirou-se contra o vidro na ânsia de alcançar as luminosas distâncias desdobradas à sua frente; forças, energias sem conta gastou tentando, ao impulso das asas, transpor o obstáculo transparente que inexistia para sua percepção visual, mas era perfeitamente concreto para seu tato e para impedir sua passagem.
Percebendo serem inúteis suas tentativas repetidas, já algo claudicante, de ânimo um pouco abatido, pôs-se a caminhar pela lisa superfície a procura de uma falha, uma rachadura, um buraco, um ponto qualquer em que a barreira invisível realmente inexistisse e a deixasse passar.
Devo dizer aos que estão torcendo pela a mosca, que rachaduras, buracos ou uma fresta no vitral, não existiam. O vidro era novo e, o vitral fixo destinava-se tão somente à entrada de luz. Aos que aceitam a fatalidade; aos que acham natural o entredevorar-se dos animais; aos que não simpatizam com moscas, nem mesmo com essa lutadora que vindo das mais ínfimas condições galgou as alturas, freqüentou requintados ambientes, conviveu com a fina flor da espécie humana. A estes devo dizer que as chances da aranha eram quase totais. A demora para a consumação do inevitável devia-se, tão somente, ao fato de a superfície ser muito lisa e perpendicular à horizontal, e à aranha encontrar-se, provavelmente, repleta de ovos e, assim, pesada e fora de sua melhor condição atlética.
Inteiramente seduzida pela paisagem lá fora, a mosca ia e vinha, caminhava em círculos e passava cada vez mais perto da pega-moscas, a qual, ansiosa porém confiante, desejosa mas paciente; concentrava-se, afiava as garras, insalivava antegozando o petisco. Encolhia-se mais calculando o pulo a cada momento em que a mosca passava mais perto.
Imaginariamente talvez houvesse determinado uma linha que, se atingida ou ultrapassada pelo díptero, decretaria sua morte pelo pulo infalível, pela insuportável compressão das tenazes e pelo rápido torpor que infiltrações precisas e repetidas de seu ferrão lhe trariam.
Com o passar do tempo o sol se fez mais claro, o céu mais azul, a natureza ganhou, em luzes e cores, um maior poder de atração.
Inconformada com a idéia de estar presa, desesperada pela incontrolável vontade de seguir, de transpor, de ir em frente; a mosca acelerava o andar, ampliava os círculos... Ampliava os círculos; cada vez mais próxima... Cada vez mais próxima... Até passar tão perto e a aranha prontamente atacar.
A velocidade, tão somente a velocidade com que fazia as circunvoluções impediu que fosse trucidada de imediato. Teve apenas uma perna presa pelas quelíceras impiedosas da aranha e, esticando-se toda, agitando vigorosamente as asas, conseguiu manter-se fora do alcance das agulhadas fatais do ferrão.
Batalha sem esperança, luta sem chances, resistir que só tem como prêmio um curto prolongar da vida.
Mas, lutou!
Lutou brava e desesperadamente até que...
Tissii... Tissiii... Uma nuvem paralisante os envolveu.
Deu-se a intervenção do homem.
Uma tontura, um escurecer de vista, descontrole de músculos, enrijecer de asas, afrouxar de quelíceras.
Houve um nada para ambos. Nada que durou, quem sabe, trinta a sessenta minutos, antes de um recobrar lento de consciência.
Consciência que voltou acompanhada de terrível mal-estar, de dores e que atingiu sua plenitude antes que os músculos recobrassem os movimentos e fossem capazes de executar-lhe os comandos.
Conscientes, mas imóveis, mosca e aranha estavam frente a frente postas no piso onde caíram após o tissii do jato repelente de insetos.
Ambas querendo fugir, temerosas e certas, cada uma, de que o mergulho no nada fora obra da outra.
Ambas paralisadas e esquecidas dos desejos anteriores.
Por algum tempo, uma eternidade para a mosca que era a presa, ainda permaneceram naquele flerte paralítico e indesejável para ambas, naquela proximidade irresistível para a aranha e insuportável para a mosca.
Quem primeiro se recompôs foi a aranha que sem incomodar a mosca, tratou de sair mansinha, trôpega ainda e arranjar um canto escuro para ficar acabando de se recompor e fazendo juras de tornar-se vegetariana.
A mosca, ao sentir-se melhor, andou de um lado para o outro durante um certo tempo, depois experimentou as asas, zumbiu, ensaiou vôos curtos e, ao sentir se capaz, galgou o espaço e seguindo uma corrente de ar cruzou a porta e alcançou uma janela aberta por onde ganhou o mundo, deixando para trás aquele pesadelo.
(11/9/82) - Rilmar

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Amor Perfeito

Amor Perfeito

Porque te vi menina, correndo de short e cabelos compridos sob as mangueiras frondosas;
Porque vi os teus despreocupados risos, a tua alegria juvenil e ouvi os teus risos de criança;
Porque te vi crescendo e ficando mais bela, mais viçosa, mais fugidia.
Nos teus primeiros albores, no fulgir de tua transformação de meiga criança em adolescente irresistível e pura.
Eu te amei!...
Amei quando eu ainda não compreendia bem o que era esse impulso, essa inquietação, essa vontade de te ver, de me aproximar; essa alguma coisa que me entristecia na tua ausência, essa ansiedade com que eu esperava tornar a te ver.
Te amei nos trejeitos; no riso largo e descontraído, nos cabelos á la garçon’ daqueles anos; nos olhos negros e no olhar profundo e sincero que me devassava; no corpo que adquiria contornos desconcertantes; nos seios que despontavam compondo e enriquecendo o todo, apesar de teu recato.
Te amei tanto que tive forças para, na distância, buscar um futuro para nós dois.
Te amei e te amo tanto que imagino ter eu, e somente eu, colhido o primeiro e todos os teus beijos de amor; todos os teus sorrisos; todos os teus ciúmes, e as mágoas por amor causadas; e as lágrimas por amor choradas; e os ódios do amor nascidos; e os pensamentos que o amor produz; e todas as emoções do amor enfim: pequenas, grandes, infinitas, arrebatadoras, olvidadas e as inesquecíveis.
O tempo passa e eu sigo te conhecendo todos os dias um pouco mais e meu amor por ti segue sendo sempre maior e mais intenso.
Depois de teres me concedido as benesses dos teus encantos, os beijos plenos de teu calor, o amparo, as emoções maiores, o teu amor puríssimo que preencheu todo o universo de minha sede de afeto; ainda me destes filhos que me completam, me orgulham e nos perpetuam.
Depois de tudo teres me dado, depois de teres dedicado tão largo e tão precioso tempo de tua existência a meu lado, comigo e para mim... Seria imaginável que nesse dia, esperasses, talvez um poema, umas rimas, uma estrofe ao menos que te contasse, te transmitisse a infinitude do amor que tenho aqui dentro e nesses anos todos venho tentando externar.
Ah! Querida. Como é pouca a minha arte, quão incapaz é minha rima... Para dizer-te de tal maneira que o sentisses concretamente.
Tirado, uma vez de dentro de mim, esse sentimento, para que o visses em toda sua magnitude; eu, com toda certeza sucumbiria. Pois esse amor é meu próprio eu...
Ele e tão somente ele me anima, ele só e não mais que ele, motiva minha alma. Ao embalo compassado desse amor é que meu coração alterna movimentos que findam sendo fluxos e refluxos de vida. Advêm dele esses clarões, esses lampejos que às vezes fulguram em meu cérebro e se externam em idéias, em pensamentos, em inspirações.
Esses tantos anos juntos, somados aos que te aguardei; aos que te contemplei apenas; aos de namoro e noivado; perfazem minha existência toda até aqui. Porém, só uma vida secular e unida, cosida, lentamente haurida a dois poderá, talvez, no apagar das luzes ter dado a ti uma pálida noção do que seja esse amor.
Sê alegre, sorri despreocupada que desse bem-querer emana um campo capaz de envolver-te em todos os momentos, em todos os teus estados de alma, em todas as distâncias atingidas ou imaginadas.
Essa atmosfera do meu amor já não me pertence.
É tua e estará contigo sempre e sempre...

terça-feira, 26 de abril de 2011

Mãe - Peito que Nutre - Ventre que Gesta

Mãe é uma essência de Amor do Universo.
É nela que nos abrigamos quando precisamos de paz. Ela é quem nos protege e acalenta sem fazer perguntas; Ela é quem nos interroga apenas para permitir que nossa alma se abra extravasando o que nos atormenta. Ela sabe a hora do conselho, de reprimir suavemente sem abater a moral; sabe o momento de nos afagar os cabelos, de apertar nosso rosto contra seu peito para transmitir um suave calor, uma segurança necessária, um amor imutável, certeza de sermos compreendidos e de que não estamos sós.
Mãe não se submete aos padrões de beleza terrena. Está sempre acima deles.
Ainda que velha;
Ainda que desgastada;
Ainda que sofrida;
Mesmo que anônima e esquecida!
Mãe tem um cheiro bom de acalento; cheiro inesquecível e necessário; cheiro que se está sempre buscando.
Mãe tem textura macia e morna que envolve e acalma, que abriga, protege e nos faz mergulhar numa quietude tranquila e celestial.
Mãe tem paciência infinita e um saber que sempre transcende a tudo o que sabemos.
Mãe está sempre alcançável e nos recebe invariavelmente com alegria sincera, espontânea e exuberante.
Mãe é amor, é flor, e peito que nutre, é ventre que gesta, é santa que se priva, se cala, se doa; é mestra que ensina e orienta, é virtude inesgotável, é manto que envolve, é fera que defende; ausência que não se supre.
Mãe é presença de paz, é imagem de tranqüilidade, é refúgio seguro. É alegria, é vida na casa, é espera incansável; é dedicação, é cuidados, é crente fervorosa rogando proteção à criança doente, ao guerreiro em combate; ao filho sumido, ao rapaz que se demora na rua , à filha mal casada; ao filho que bebe e à tantas outras situações que ameacem a ninhada.
Mãe benze o corpo e vai à luta.
Reza o terço, murmura ladainhas; confessa, comunga, vai à missa, freqüenta cultos, se entrega a Jesus; vai a terreiros, joga flores para Iemanjá, enfrenta exércitos, multidões e sistemas: na defesa dos filhos.
Ciumenta sempre, valente se necessário, carinhosa, admiradora de cada um de seus filhos, independente de suas qualidades. Hiperativa nos afazeres. Psicóloga capaz de tratar cada filho de forma personalizada afim de que ele se sinta amado, seguro, responsável e apto a se conduzir no emaranhado de caminhos que a complexidade da vida nos antepõe.
Não se compara a anjos nem a santas
Mãe é substantivo e adjetivo em si mesma. ´
É beatitude que não se mede.
Transcende ao humano, mas está sempre ao alcance da mão.
É interjeição que se grita em todo momento extremo.
É humildade concreta envolta em aura de amor.
É fonte perene e suave dessa aura que, em doce envolvência, nos tira do mundo e nos aproxima de Deus.
Mãe é uma criatura irremediavelmente apaixonada pelo fardo que conduz.
Maio de 1990
Rilmar

sábado, 15 de janeiro de 2011

O Exterminador de Ratos

Ratos, grandes ratos pardos e rabudos tinham ocupado o espaço sob um telhadinho que cobria uma laje num dos cômodos lá de casa.
A presença incômoda, os atrevimentos crescentes, os prejuízos, a algazarra que faziam namorando, as reclamações da patroa e dos meninos; tudo foi me chateando e me obrigando a dar um fim neles.
Então eu parti com a simplicidade dos inexperientes; com a afoiteza do que despreza o adversário; com o menosprezo imperdoável dos que se superestimam e desconhecem o poderio do inimigo.
Parti com um cabo de vassoura em direção ao telhadinho e comecei a cutucar e levantar telhas na esperança de ver ratos voarem apavorados e às tontas para que os meninos e o cachorro os matassem.
Mas qual, onde é que se meteram?... Sumiram como por encanto... Aliás, sumiram com exceção de um adolescente que, de repente se projetou de um vão de telha e caiu no meio do patiozinho cimentado da área.
E aí a balbúrdia se instalou; já que meninos, adultos, cães e gatos; todos ao mesmo tempo, partiram alucinados p’rá cima do inimigo tão esperado e que, àquela altura, já me parecia apenas um pobre rato acuado.
Mas, o que dizer àqueles vândalos, àqueles revoltados justiceiros que não só queriam o inimigo morto, como queriam, cada um, matá-lo pessoalmente?...
O ratinho, com dois olhinhos assustados e protusos, não fez qualquer análise das razões do inimigo e nem sequer quis medir-lhe o poder de destruição. Toda a luta, todo heroísmo, toda resistência possível se resumia em sobreviver. E, sobreviver era não ser pego de forma alguma, para o que valia morder, arranhar, correr em ziguezagues, subir pelas paredes e até pelas pernas dos justiceiros.
Daí, minha casa quase veio abaixo. De um lado: pauladas, gritos, chutes, latidos, topadas, confusão infernal. Do outro: dribles rápidos, idas e vindas incontáveis, guinchos, desaparecimentos momentâneos e mil outros truques de quem tem milhares de anos de tradição neste tipo de luta.
A luta seria tremendamente desigual em favor do rato, não fosse pelo fato de ele não ter como sair do campo de batalha e, em conseqüência, ir tendo suas forças paulatinamente minadas já que lutava sozinho e sem trégua, enquanto que ao inimigo era permitido o revezamento, reforços, troca de vassoura quebrada por outra inteira e, muitas outras vantagens. Mas, com uns quinze minutos de embate, eu, vendo a depredação que faziam nas paredes, portas e utensílios domésticos; sem que ninguém suspeitasse, desertei de nossas colunas e resolvi apoiar a causa da minoria oprimida, que naquele momento era o fatigado ratinho.
No exato instante em que o dito, minoria oprimida, vinha alucinado para dar a centésima topada com a porta, eu, subitamente a abri, como se fosse entrar para ajudar os opressores e, nisso o rato passou como uma bala em ricochete e desapareceu pelo quintal afora.
Desaprovada aquela conduta, parti para inúmeras outras:
Isca envenenada... Nada!
Ratoeira infalível... Horrível!
Felinos audazes... Ineficazes!
Gás hilariante... Hilariante!
Gás Lacrimogêneo, Detefon, bombas, fumaça, vigília cívica...
Fracasso total.
Passados uns dias, estava eu pensativo e desanimado à porta de minha casa quando passa um homem aí de uns cinqüenta e cinco para sessenta anos, curtido de sol, um pouco sujo e com umas botinas já meio corrompidas pelo uso. Bem, a descrição do homem não importa muito; o fato é que ele trazia um saco nas costas e veio exatíssimamente me perguntar se eu não estaria precisando de dar combate a ratos, que era o que ele sabia fazer de maneira eficaz, silenciosa e módica.
Vocês hão de crer que eu não fiz qualquer pergunta? Tal era o meu desespero para ficar livre dos ratos. Não perguntei sequer o que é que ele trazia naquele saco. Apenas combinamos que no dia seguinte estaríamos fora e ele, devidamente informado dos detalhes, ficava com a casa à disposição para o tal extermínio e com ele, ficaria apenas o nosso guarda-noite com ordens expressas de cuidar da casa mas, não interferir no trabalho dele.
Partimos cedo, cheios de esperanças, passamos todo o dia fora e só retornamos boca-da-noite, curiosíssimos e desconfiados.
Ao chegar, encontrei o homem de papo como o guarda, na maior despreocupação do mundo.
- E os ratos? Perguntei.
- Ah! Tem mais rato do que eu pensei e vou precisar de mais tempo.
- E então, como é que ficamos, o senhor volta amanhã para terminar o serviço?
- Num tem jeito não patrão, eu só posso sair com o serviço terminado.
- Mas, e nós?... Há algum inconveniente em dormirmos na casa?
- Bão... Tendo medo de cobra tem.
- Cobras? Que cobras?...
- As cobras que tão pegando os ratos.
- Mas o senhor pôs cobras na minha casa para pegar ratos?
- Pus, mas quando os ratos acabarem eu chamo as cobras e elas voltam p’ro saco.
- Pois o senhor retire essas cobras imediatamente de minha casa antes que eu tome uma providência.
- Num adianta patrão, elas só obedecem quando os ratos acabam.
Nessas alturas minha mulher, as crianças e até o cachorro que andaram ouvindo parte da conversa, já tinham se encarapitado no carro e se recusavam até por os pés no chão, com medo das tais de cobras; caninanas como o homem me esclareceu.

O jeito foi encarar um hotelzinho sem estrelas.
Foram seis dias de hotel, mas que valeram apena. Não sobrou um único rato na casa, não se destruiu uma só telha; o homem saiu de lá com um saco cheio de cobras nutridas e felizes e não quis nem cobrar pelo serviço.
É importante salientar que as tais caninanas deixaram por lá um tal almíscar de cobra, que rato nenhum nunca mais se aventurou sequer a se aproximar lá de casa nem para comer queijo.
O homem misterioso sumiu, mas ouço dizer que ele é uma espécie de benzedor e mora ali pelas proximidades da barra do Antas com o Corumbá, assim, se alguém quiser usufruir do método, estou pronto a ajudar a procurá-lo.
05.8.1989
Rilmar

domingo, 17 de outubro de 2010

Dia do Professor (comentário feito no Blog Brasil Acadêrmico)

1 Sabe aquela fala de Salamagro:Todo mundo é escritor, só que poucos escrevem?!...
É, a meu ver, o que se poderia dizer sobre Professores.
Os que decidem fazer de suas vidas o sacerdócio de ensinar, de ter como missão aprimorar indivíduos, preparar pessoas para a vida, tolerar rebeldes, suportar engraçadinhos, decifrar mentes que precisam de abordagens especiais para que aprendam, diagnosticar deficiências para nivelar cada um com o todo, fazer tudo com tanto desvelo, tanta doação, tanta compreensão; que ao fim de cada etapa haja um grupo melhor e com mais conteúdo de conhecimentos para o trabalho, a vida, para si mesmo e, talvez para estar apto a continuar aprendendo.
Essa é sua gloriosa e beatíssima missão.
Eterna e indispensável.
A recompensa, além do dever cumprido;vem, às vezes, da própria turma que o cerca, ao final do curso e agradece com palavras, com flores, com abraços. A recompensa vem, às vezes, de telegramas comunicando êxitos obtidos e agradecendo, vem também de ex-alunos que, pelo resto da vida, ao encontrá-los os reconhecem e cumprimentam com uma saudação calorosa: Hei PROFESSOR como vai? É sempre um prazer revê-lo!
Mestres, Mestres... Vocês que nos ensinaram tudo; ensinem-nos a sentir e externar nossa gratidão para com vocês. Adivinhem, por trás de nossa vaidade e do nosso egocentrismo, o alicerce que vocês puseram sob nossos pés
e no qual nos apoiamos.
Tenham certeza disso. Orgulhem-se. Não se arrependam nunca do bem que derramaram sobre nós.
Deus lhes pague. Sou eternamente grato
Rilmar



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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Couro de Lobisomem (cordel) -continuação

A tarde era réstia de luz
No horizonte sem nome
Rastro de cobra eu vi,
E couro de Lobisomem?

Antes de chegar na ponte
Do Corguinho de água quente
Reparei numa casinha
Lá pros lados do poente

Vi um estranho estandarte
A enfeitar-lhe a frente
Um couro grande, esquisito
Esticado e imponente

Couro negro e cabeludo
De fios grossos revestido,
Não era couro de bode
Nem de bicho conhecido

Pensei em couro de onça
Na resposta da questão
Anta, urso, burro, zebra;
Nenhuma era a solução

Curioso como sou
Naquela casa cheguei
Bati de leve na porta
E a resposta esperei

Sempre analisando o couro,
Pertinho e estando a sós
Fui reparando detalhes-
Até que ouvi uma voz

-Vá entrando, a casa é nossa,
Empurre a porta; bem vindo
Vem dividir a solidão
Que sozinho estou sentindo

-Eu passando por aqui
Nesse restinho de dia
Tendo sede, vim pedir
Um caneco de água fria

-Pois bateu na porta certa
Veio a uma casa amiga
Conversa de copo d’água
É uma desculpa antiga

-Se realmente tem sede
Beba água à vontade
Mas se está curioso
Venha saber a verdade

-Você viu aquele couro
Esticado ali na frente?
É de um animal que matei
Bicho muito diferente

Sete dias e sete noites
Setenta terços rezei,
Pra desencantar o bicho,
Depois disso eu o matei

É uma mistura encantada
De cachorro, lobo e homem
O couro que você viu
É couro de lobisomem

De lobisomem legítimo
Que uiva e mata de medo
Mas não pôde com as rezas
E a firmeza de meu dedo

Na mira da carabina
O monstro sequer grunhiu
Reza, coragem e chumbo
E o bicho sucumbiu

- O amigo me desculpe
Mas não sou bobo nem nada
Que couro de lobisomem
Isso é alguma piada?

Lobisomem é uma lenda
Ou uma raça em extinção
Quem matar um bicho desses
Corre risco de prisão

- Matei esse e mato mais
Sou valente e sem temores
Sou chumbo grosso, sou fera
Sou o rei dos caçadores

- É brincadeira eu sei
Não se mata uma lenda
Mas se matou de verdade
Faça com que eu entenda

-É muito fácil provar
O bicho está todo aí
Examine cada peça
Coloque o pingo no i

Aqui está a cabeça,
Preste atenção nestes dentes,
Nos fundos dentes de lobo,
Humanos são os da frente

Observe a carne escura
Que quanto mais se tempera
Menos cheira a tempero
Mais fede a carne de fera

E essas patas imensas,
De que essas patas são?
Parecem patas de lobo
Parecem patas de cão!

Olhando agora o couro,
Mais preto que marchetado,
Tem um odor bem estranho,
Cheira a cachorro molhado.

Repare nessas orelhas
De talhe reto, incrível
São orelhas de morcego?
Ou de um animal terrível?

Cheirei, ouvi, reparei
Resisti enquanto pude
Mas chega um certo momento
Em que a evidência ilude.

Convencido que o lobisomem
Estava morto e picado
A carne em umas gamelas
E o couro bem esticado.

Tive raiva do tal homem
E parti para a cidade
Em busca do delegado
Pra dizer toda a verdade
Do morticínio da lenda
Da grande atrocidade

Encontrei o delegado
Bebericando na venda
Fui logo dizendo a ele
Seu Humberto me atenda
E venha prender um monstro
Um assassino de lenda

O delegado de fogo
Ficou logo azuretado
Contou as balas do trinta
Enquanto eu olhava calado

Depois levantou do banco
Fazendo cara de mau
Disse: Você vai comigo;
Você também Bate pau

E para documentar
Em meio àquele alvoroço
Pegando a sua Nikon
Pendurou no meu pescoço.

Em direção ao casebre
Seguimos rapidamente
Todos em cima de um jipe
Velho, cambembe e rangente;
Logo chegamos na choça
Pois o Jipe era valente

Queria que vocês vissem
A cara do tal caçador,
Vendo aquela comitiva
Perdeu todo o seu valor,
Ficou branco como vela
Quase teve um estupor.

O delegado chegando
Viu logo o couro esticado
Cheirou e foi confirmando
- Cheira a cachorro molhado;

Entrando viu as gamelas
Com a carne fedorenta
Examinou com os olhos
Com a língua e com as ventas;

Examinou a cabeça
Com a estranha dentaria,
Quanto mais atenção dava
Mais o caçador tremia.

O caçador gaguejando
Explicar bem que tentou
Esse couro é de búfalo
Um fazendeiro mandou
De longe para que eu curtisse
E muito recomendou

-A carne que tanto fede
Não é uma carne rara
Tem cheiro forte por ser
Carne de uma capivara

-E a cabeça tão grande
Guardei-a para exibi-la,
Curtida e trabalhada,
É de um cachorro fila

-Teve as orelhas aparadas
Por uma moda mal-sã,
São orelhas amorcegadas
Como as do Bat-man

-O delegado sossegue
Que o malfeito é aparente
Eu não matei lobo-homem
Juro que sou inocente.

Eu fui ficando sem-graça
Vendo o homem se explicar
Mas o delegado estava
Longe de acreditar.

O caçador se esmerava,
Suando frio o coitado,
O delegado ouvia
Sempre mais desconfiado

Por fim veio a decisão
- Fica lavrado o flagrante
- Bate Pau cumpra a lei
Bote em cana o meliante

Tire amostras de tudo
E em caixas de isopor
Acondicione no gelo
Para estudo posterior

Leve o couro conosco
Para a delegacia
Quero o parecer do povo
Que nesse a gente confia
A questão é muito séria
Pois envolve ecologia

Em tudo o delegado
Foi prontamente acatado
O couro ficou exposto
E o meliante trancado
As caixas foram enviadas
Para um centro adiantado

Estudando as tais peças
Muito tempo se consome;
Aguarda preso na cela
Aquele valente homem;
E quem examina o couro
Jura que é de lobisomem

Testemunha da verdade
Não aumentei um só ponto
Do que não vi nem provei
Nunca relato nem conto
Fim

Rilmar Gomes

27/12/1991

domingo, 26 de setembro de 2010

Rastro de Cobra - (Lit. de Cordel)

Foi numa tarde de verão,
Era um silêncio profundo,
O que aconteceu comigo
Só hoje revelo ao mundo.

“Nunca vi rastro de cobra
Nem couro de lobisome”
Cantor que isso afirmou
Tentava fazer o nome

Se vivesse um pouco mais
Se vivenciasse o mundo
Descobriria bem cedo
Que não pesquisou a fundo

Eu que pouco viajei,
Sem que a memória falhe,
Afirmo que muito vi
Pois reparei no detalhe

Sei andar devagarinho
Olhando com zelo e arte
O conjunto como um todo
Mas atento a cada parte

Olho, escuto, cheiro e toco
Provo se for a questão
Comparo tudo na mente
P’ra formar uma opinião

E no silêncio da tarde
Eu já fora da cidade
Reparei num ancião
Cheio de excentricidade

O homem se abaixava
E fotografava o chão,
Clique que clique e andava
P’ruma nova posição

Ajude-me nossa senhora,
Santa mãe da piedade,
Não peca quem quer saber
Quem tem curiosidade.

E foi rezando baixinho
Que me aproximei do tal,
Querendo puxar conversa,
Mas me saí muito mal

O gringo me ignorou,
Fazendo que não me viu,
Botando a máquina no ombro
Entrou no jipe e sumiu

O que foi que ele viu?
Que coisa tão importante,
Esse homem registrava
De modo tão intrigante?

Comecei olhar o chão
Com atenção redobrada
Para ver se descobria
Resposta para a charada

Em dado momento notei
Sutis, leves,indefinidos
Impressos na areia fina,
Uns sulcos rasos, compridos

Logo adiante sumiam
Numa fatia de relva
Depois surgiam mais nítidos
Indo em direção à selva;

Selva não, uma matinha
Na beira do ribeirão
Mata que eu conhecia
Como a palma de minha mão

E os sinais misteriosos
Não se perderam de fato
Porque sofreram um desvio
E não entraram no mato

Na areia, embora leves
Poderiam ser seguidos
Ainda mais se eu aplicasse
Nisso meu sexto sentido

E fui seguindo os sulquinhos
Até que, subitamente,
Eles desapareceram
Sem um motivo aparente.

Um toco, uma pedra e uma moita
Isso só e nada mais;
De uma dessas três coisas
O mistério estaria atrás

O mistério era uma cobra
Que também me espreitava
Enquanto eu a procurava,
Ela, por certo, pensava:

O que quer esse janota
Andando atrás de mim
Ainda tenho veneno
E posso lhe dar um fim

Estou um pouco pesada
Acho que exagerei
Engolindo aquele sapo
Que na lagoa encontrei.

Eu que sempre muito leve
Não deixo rastro no chão
Com um sapo na barriga
Me arrasto como um vagão.

Deixando o rastro na areia
Fui deveras imprudente
Mas quem segue rastro de cobra
No fim encontra serpente

E de minhas experiências
Uma certeza me sobra
Uma coisa é seguir o rastro,
Outra é enfrentar a cobra

O janota é atrevido
Atrevido e persistente
Mas se chegar nesta moita,
Pronto lhe cravo os dentes

A cobra conjecturava
E eu também refletia
Tenho que ter muito cuidado
Pois já está no fim do dia

E o sol nessas alturas
Já não clareia o bastante
Vou olhar naquela moita
Mas me mantendo distante.

Foi assim que examinei
A pedra e também o toco
A moita eu olhei de longe
Porque não sou nenhum louco.

Mesmo olhando de longe
Eu consegui vislumbrar
A cobra de bote armado
Pronta para me pegar;

Eu olhava para a cobra
Ela olhava para mim;
Ficamos naquele flerte
Por um instante sem fim.

A serpente ardilosa
Tomou uma decisão
Exibiu-me a barriga
Fazendo uma contorção

Ao ver tamanha barriga
Naquela cobra impávida
Eu de pronto concluí
Esta cobra está grávida

Se cobras não engravidam
É problema da ciência
Por mim estou satisfeito
E em paz com a consciência

Fica, pois aí gestante,
Está desfeito o mistério
Seja feliz no seu parto
E também no puerpério.

E dali me afastei
De volta para a cidade
Feliz por minha vitória
Nesta busca da verdade

A tarde era réstia de luz
No horizonte sem nome
Rastro de cobra eu vi,
E couro de Lobisomem?

Rilmar- 1991
(a seguir: Couro de Lobisomem) -
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